A luta contra os abusos e a eficácia das regulamentações atuais
Andrea Tornielli
A luta contra os abusos é uma preocupação constante na Igreja, especialmente nos últimos anos. O assunto também surgiu na sala onde o Sínodo se reuniu e continua a ser monitorado pela mídia. Conversamos sobre o assunto com o Arcebispo Filippo Iannone, Prefeito do Dicastério para os Textos Legislativos, para discutir alguns aspectos relativos aos procedimentos que são aplicados.
O senhor pode nos dizer em que ponto estamos em termos das leis em vigor? Elas são eficazes?
Essa é certamente uma questão que está no centro das atenções de toda a Igreja, como o Papa repete continuamente, e, portanto, não poderia deixar de entrar, de alguma forma, nas intervenções dos membros do Sínodo. A legislação canônica para a repressão e a punição dos delitos de abuso de menores e adultos vulneráveis foi modificada nos últimos anos, levando em consideração a experiência acumulada nos anos passados, as várias sugestões que vieram das Igrejas locais e das pessoas envolvidas em vários níveis na repressão do fenômeno e, acima de tudo, do encontro dos Presidentes das Conferências Episcopais de todo o mundo com os responsáveis da Cúria Romana, desejado pelo Papa Francisco e realizado no Vaticano em fevereiro de 2019. A lei penal canônica foi revisada, foi promulgado o novo motu proprio Vos estis lux mundi, que estabelece “a nível universal os procedimentos tendentes a prevenir e contrastar estes crimes que atraiçoam a confiança dos fiéis”, foram revisadas as normas seguidas pelo Dicastério para a Doutrina da Fé no julgamento dos delitos reservados ao Dicastério. Em todos os textos regulamentares, são colocados no centro da perspectiva o bem das pessoas cuja dignidade é violada e a vontade de conduzir um julgamento “justo” de acordo com os princípios fundamentais do sistema jurídico. Assim como, foi sancionada a obrigação de denunciar às autoridades eclesiásticas por parte dos sacerdotes e pessoas consagradas caso tomem conhecimento de possíveis abusos. Com relação à eficácia dos Normas, é difícil fazer um julgamento geral, pois seria necessário conhecer todos os dados inerentes ao assunto. Com base em minha experiência pessoal, eu diria que sim. De qualquer forma, gostaria de lembrar as palavras do Papa Francisco: “Embora muito já tenha sido feito, devemos continuar a aprender com as amargas lições do passado, a fim de olhar para o futuro com esperança”.
Um sacerdote demitido do estado clerical é excomungado?
Não! A tradição canônica contém dois tipos de punições aplicáveis a todos os fiéis, clérigos e leigos: as censuras e as punições expiatórias. Das penalidades expiatórias aplicáveis a um clérigo (diácono, padre e bispo), a mais grave e até mesmo perpétua é a demissão do estado clerical. Ela se aplica, como é fácil deduzir, na presença de delitos particularmente graves. Em termos mais simples, o sacerdote demitido do estado clerical não é excomungado, mas não pode mais exercer o ministério sagrado, embora, sob as condições de todos os outros fiéis, possa receber os sacramentos.
O senhor pode explicar como ocorre a eventual remissão de uma excomunhão? Existem procedimentos rápidos para isso? Quais sujeitos estão envolvidos?
A excomunhão, que o direito canônico inclui entre as censuras, é a penalidade para privar uma pessoa batizada - que cometeu um delito (incluindo profanação da Eucaristia, heresia, cisma, aborto, violação do segredo da confissão pelo sacerdote) e é contumaz (ou seja, desobediente) - de alguns bens espirituais até que deixe de estar nesse estado e seja absolvida. Os bens espirituais, ou a eles anexados, dos quais a punição pode privar, são aqueles necessários para a vida cristã, ou seja, principalmente os sacramentos. A excomunhão tem um propósito estritamente “medicinal”, ou seja, visa à recuperação, ao cuidado espiritual da pessoa afetada, de modo que as pessoas arrependidas possam receber novamente os bens dos quais foram privadas (salus animarum suprema lex in Ecclesia - a salvação das almas é a lei suprema na Igreja). Consequentemente, para obter a remissão, ele deve provar que esse objetivo foi alcançado. Não há um limite de tempo predeterminado. O requisito necessário, portanto, é que a pessoa tenha realmente se arrependido do delito e reparado adequadamente o escândalo e o dano causado ou, pelo menos, prometido seriamente fazer tal reparação. Obviamente a avaliação dessa circunstância deve ser feita pela autoridade da qual depende a remissão da sentença, em espírito pastoral, levando em conta as boas disposições do sujeito e o impacto social que tal decisão poderia ter.
O senhor poderia explicar a diferença entre a excomunhão e o que é chamado de “punições expiatórias”?
Além das censuras que mencionamos, a tradição canônica conhece e prevê outro tipo de punição, as chamadas punições expiatórias, que têm como objetivo específico a expiação do delito. Consequentemente, sua remissão não está ligada apenas ao arrependimento ou à pertinácia do réu (ou seja, à sua obstinação), mas principalmente ao sacrifício pessoal vivido com o propósito de reparação e de correção. Envolvem a privação por um período de tempo estabelecido, indeterminado ou perpétuo de certos direitos que eram desfrutados pelo sujeito (por exemplo, a proibição de exercer ou privação de um cargo ou posição ocupada), sem, no entanto, impedi-lo de ter acesso aos bens espirituais, em particular aos sacramentos.
Nas últimas semanas, muitos artigos da imprensa ofereceram várias interpretações dos procedimentos canônicos relativos aos delitos reservados. O senhor pode explicar quais são esses procedimentos e como são aplicados?
Estamos falando de delitos que, devido à sua gravidade em questões de fé ou de moral, são julgados exclusivamente pelo Dicastério para a Doutrina da Fé. O procedimento seguido pelo Dicastério pode ser de dois tipos: o chamado “administrativo” ou o judicial. No caso do processo administrativo, uma vez concluídos os procedimentos com o Decreto Penal extrajudicial, a pessoa condenada tem a possibilidade de contestar a medida recorrendo ao Colégio de Recurso, especialmente estabelecido no mesmo Dicastério. O decreto desse Colégio é definitivo. Por outro lado, no caso de um processo judicial penal, após a conclusão dos vários níveis de julgamento, a sentença passa em julgado (res iudicata), tornando-se então executória. Em ambos os casos, a pessoa condenada pode solicitar ao Dicastério para a Doutrina da Fé a restitutio in integrum (ou seja, o restabelecimento da sua condição original). Também é possível pedir uma revisão na forma de graça; nesse caso, o procedimento é normalmente realizado pelo Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica, mas também pode ser confiado a outros Organismos. Dado o caráter confidencial desse tipo de comunicação, a Secretaria de Estado é responsável por coordenar as várias instâncias e enviar quaisquer decisões para a execução das disposições adotadas.
Obrigado por ter lido este artigo. Se quiser se manter atualizado, assine a nossa newsletter clicando aqui e se inscreva no nosso canal do WhatsApp acessando aqui