A presença cristã no Iraque e seus desafios

A vida desta comunidade, hoje dividida entre caldeus, siríacos, armênios, latinos, melquitas, ortodoxos e protestantes foi marcada, desde a chegada do Islã e também após o nascimento do Iraque independente, por perseguições e discriminações. Segundo estimativas mais recentes, atualmente existem no Iraque entre 300 mil e 400 mil cristãos.

Vatican News

A presença cristã na Mesopotâmia remonta às origens do cristianismo, como bem atestam os Atos dos Apóstolos. Segundo a tradição, de fato, o cristianismo se espalhou por essas terras no primeiro século a partir da pregação do apóstolo São Tomé e seus discípulos, que se estendeu até a Ásia oriental. O Iraque, portanto, é uma terra biblicamente e historicamente importante para todos os cristãos, dada a sua riqueza cultural e religiosa que influenciou de forma decisiva.

Uma história de perseguição e discriminação

 

A vida desta comunidade, hoje dividida entre caldeus, siríacos, armênios, latinos, melquitas, ortodoxos e protestantes, desde a chegada do Islã e também após o nascimento do Iraque independente, foi marcada por perseguições e discriminações. Saddam Hussein deu origem a um regime laico, com o qual os cristãos, apesar da nacionalização de suas escolas e a persistente discriminação, encontraram um modus vivendi que permitiu à Igreja realizar atividades também no campo sócio-caritativo.

Mas já na época da ditadura, começou a registrar-se uma crescente emigração, também por conta das guerras ocorridas no país desde o início dos anos 80 do século XX. Neste sentido, numerosas comunidades cristãs iraquianas foram criadas no exterior, a ponto de colocar o problema da sua assistência espiritual e da salvaguarda da sua identidade cultural. Problema particularmente sentido na Igreja Caldeia.

O êxodo dos cristãos depois de 2003 e entre 2014 e 2017

 

O êxodo mais intenso ocorreu após a intervenção militar dos EUA em 2003, devido à insegurança, à violência e aos atentados, e entre 2014 e 2017, com a chegada do autoproclamado Estado Islâmico (ISIS) no norte do país.

 

Na véspera da segunda Guerra do Golfo, estimava-se que os cristãos no Iraque estavam entre 1 e 1,4 milhão (6% da população). Desde então, sua presença reduziu drasticamente até, de acordo com as estimativas mais recentes, para 300-400 mil, segundo dados da Ajuda à Igreja que Sofre. Somente no período entre 2003 e março de 2015, foram mortos 1.200 cristãos – entre os quais Dom Paulos Rahho, o arcebispo de Mosul dos caldeus, assassinado em 2008, cinco sacerdotes e as 48 vítimas do ataque jihadista em 31 de outubro de 2010 contra a Igreja sírio-católica de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - e 62 igrejas foram danificadas ou destruídas.

A ocupação do Estado Islâmico da Planície de Nínive, o berço histórico do cristianismo mesopotâmico, literalmente esvaziou esta região da presença cristã. Mais de 100.000 cristãos foram forçados a fugir de suas casas junto com outras minorias perseguidas, como os yazidis. Muitas dessas famílias encontraram refúgio no Curdistão iraquiano, mais precisamente em Ankawa, bairro cristão de Erbil, em campos de refugiados na Jordânia, Síria, Turquia e Líbano, ou buscaram asilo na Europa e em outros continentes.

Nos últimos anos, pelo menos 55.000 cristãos iraquianos foram expatriados do Curdistão iraquiano. A fúria destrutiva dos jihadistas não poupou suas igrejas e propriedades, que foram destruídas ou severamente danificadas. Uma parte importante do patrimônio histórico cristão foi salva dessa destruição graças a Dom Najib Mikhael Moussa, arcebispo de Mosul dos caldeus desde janeiro de 2019, que conseguiu salvar mais de 800 manuscritos históricos que datal do século XIII ao XIX. Um feito pelo qual o prelado dominicano recebeu em 2020 o Prêmio Sakharov concedido pela União Europeia.

Insegurança e o sectarismo continuam a ameaçar a presença cristã no Iraque

 

Depois da derrota do Califado no Iraque em 2017, os cristãos começaram lentamente a retornar à Planície de Nínive, graças ao apoio da Igreja universal e em particular da Fundação de direito pontifício Ajuda à Igreja que Sofre (ACS, sigla em italiano), que está contribuindo para a reconstrução das casas (mais de 14 mil) e das igrejas destruídas ou danificadas (das 363 estruturas envolvidas que incluem também prédios com funções sanitárias, de apoio social e educativas, 34 foram totalmente destruídos, 132 incendiadas e 197 parcialmente danificados).

 

Em novembro de 2020, quase metade dos cristãos de Nínive retornou, enquanto 80% das igrejas na Planície estavam sendo reconstruídas (com exceção de Mosul, onde, devido à lentidão administrativa, o trabalho começou em apenas uma igreja de dez).

Até hoje, cerca de 57% das habitações danificadas pertencentes a famílias cristãs da região e incluídas no plano de intervenção foram recuperadas, das quais 35% graças à Ajuda à Igreja que Sofre que entre 2014 e o final de 2020 arrecadou mais de 48 milhões de euros para garantir a presença cristã no Iraque.

Após a derrota do ISIS, os financiamentos da ACS foram transformados de ajuda de emergência em projetos de reconstrução e reestruturação. Graças à Fundação de direito Pontifício, as três principais Igrejas cristãs da Planície de Nínive (Caldeia, Sírio-católica e Sírio-ortodoxa) criaram o Comitê de Reconstrução de Nínive (NRC) com o objetivo de facilitar o retorno dos cristãos às suas comunidades de origem e assegurar a eles e a outras minorias a tutela jurídica e a proteção dos direitos humanos fundamentais. O grande esforço de solidariedade realizado pela comunidade católica internacional permitiu o retorno de mais de 45% das famílias originalmente residentes na Planície de Nínive e expulsas pela violência islâmica.

 

Todavia, as dificuldades e o medo que desencorajam o retorno de muitas pessoas permanecem. A falta de segurança, o assédio, a intimidações e os pedidos de dinheiro por parte de milícias e grupos hostis continuam a ser uma ameaça real para a comunidade cristã iraquiana, especialmente neste território.

De acordo com o Relatório  Life after Isis: New challenges to Christianity in Iraq  (“Vida após Isis: Novos desafios ao Cristianismo no Iraque”) divulgado no outono de 2020 pela ACS, 100% dos cristãos presentes na área “sentem falta de segurança e 87% deles acrescentam que percebem marcadamente essa falta. A pesquisa destacou que entre as principais causas do medo estão a atividade violenta de milícias locais (incluindo as do Hashd al-Shaabi, grupos armados formados principalmente por xiitas próximos ao Irã e do Hashd al-Shabak, facção armada formada por pertencentes à minoria étnico-religiosa de Shabak, e a possibilidade de um retorno do Estado Islâmico.

O resultado é que 57% dos cristãos consideram emigrar, e destes, 55% planejam fazê-lo até 2024. As dificuldades contínuas dos cristãos no Iraque são confirmadas por "Open Doors” (“Portas Abertas"), uma organização cristã que ajuda os cristãos perseguidos por causa de sua fé, segundo a qual o Iraque ocupa o décimo terceiro lugar na lista dos 50 países do mundo onde as condições de vida são mais difíceis para os cristãos.

A ONG está empenhada em ajudar os cristãos iraquianos através da iniciativa "Centros de Esperança" que trabalham para reconstruir casas, apoiar projetos de desenvolvimento socioeconômico, escolas) e promover seu revigoramento espiritual.

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02 março 2021, 15:05