Uma imagem da audiência no Processo sobre o suposto uso indevido de fundos da Secretaria de Estado (Ansa) Uma imagem da audiência no Processo sobre o suposto uso indevido de fundos da Secretaria de Estado (Ansa)

Processo vaticano, Perlasca inesperadamente no Tribunal. Marogna deposita memorial

O ex-chefe de Gabinete apareceu inesperadamente durante a audiência e foi convidado pelo presidente Pignatone a deixar o Tribunal. Interrogatório de cerca de cinco horas ao cardeal Becciu sobre os investimentos para Ozieri e Londres, os fundos da Secretaria de Estado, relações com a gerente sarda que produziu um memorial de 22 páginas sobre intermediários russos, fundos financeiros, atividades de inteligência, contatos com serviços secretos

Salvatore Cernuzio – Vatican News

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Décima sexta audiência do processo no Vaticano. 15h03 de quinta-feira, 19 de maio. Entrou de surpresa na Sala multifuncional dos Museus vaticanos, através de uma entrada lateral, monsenhor Alberto Perlasca, ex-chefe da Seção Administrativa da Secretaria de Estado e considerado a "testemunha-chave" no processo por suposto uso ilícito de fundos da Santa Sé. Naquele momento, o cardeal Angelo Becciu, sentado no banco dos réus, estava afirmando: "...se houvesse a menor suspeita, Perlasca não estaria onde estava". Eu pensava que Perlasca estava fazendo as coisas bem". O assunto das declarações do cardeal, em seu quarto e último interrogatório, era o investimento no Prédio de Londres, em relação ao o qual Becciu declarou que nem o monsenhor nem ninguém da Seção Administrativa, muito menos o financeiro Enrico Craso, consultor do Dicastério há décadas, expôs a ele quaisquer questões críticas. Nem quaisquer detalhes como o empréstimo de 75 milhões de libras esterlinas com o Deutsche Bank.

Perlasca convidado a deixar o Tribunal

Perlasca sentou-se na fila de trás entre os jornalistas. O promotor de Justiça adjunto, Alessandro Diddi, sinalizou sua presença. Presença não apropriada, sendo o prelado uma testemunha. Perlasca foi, de fato, convidado a sair. "Não, eu vou ficar", exclamou ele. Mas o presidente do Tribunal vaticano, Giuseppe Pignatone, ordenou-lhe que deixasse imediatamente a sala de audiências. O que o monsenhor acabou fazendo.

Declaração espontânea de Becciu

Becciu continuou então em seu interrogatório, que começou às 10h50 e terminou por volta das 17h35. Na manhã desta quinta-feira, ele fez uma declaração espontânea para expressar seu "sofrimento e humilhação" diante de certas perguntas no interrogatório do dia anterior "que ofenderam minha dignidade sacerdotal e minha honestidade pessoal". Ele anunciou, portanto, que não responderia às perguntas sobre o caso Spes (a cooperativa sarda dirigida por seu irmão Antonio), mas somente àquelas relativas às acusações: as duas contribuições de 2015 e 2018 de 100 mil e de 25 mil euros. A resposta de Pignatone foi imediata: "Este processo penal é conduzido de acordo com as regras do Código, as perguntas feitas pelo Promotor são avaliadas pelo Tribunal sobre sua admissibilidade, certamente não visando de forma alguma lesar sua dignidade pessoal e cardinalícia".

Interrogatório de Diddi

O presidente do Tribunal deu então a palavra a Diddi que, novamente com a ajuda do projetor de vídeo, perguntou sobre um pagamento de 4 mil euros pela gerente sarda Cecilia Marogna (ré). A soma fazia parte dos 14.150 euros solicitados por Becciu, não mais substituto, a Perlasca? "Era para a conhecida operação, exerço meu direito de não responder", disse o cardeal. A "notória operação" é a libertação da irmã Gloria Navaes Goti, uma colombiana franciscana sequestrada na República de Mali em 2017 e libertada no ano passado. Embora dispensado do segredo pontifício, na quarta-feira Becciu havia dito que não queria "detalhar ulteriormente" o caso. Nesta quinta-feira, o mesmo.

As memórias de Cecilia Marogna

Outra surpresa da manhã desta quinta-feira foi uma memória de Cecilia Marogna dedicada às atividades de inteligência que ela, junto com empresas de segurança estrangeiras, supostamente realizou. A ré, que nunca esteve no Tribunal, produziu um texto que seu advogado, Fiorino Ruggio, anunciou que queria depositar junto à Chancelaria juntamente com um relatório do Copasir. O advogado disse que não queria fazer perguntas ao cardeal porque o Tribunal teria primeiro que ler o memorial, como se fosse para sugerir que tratava de questões que não era apropriado revelar publicamente. "Não funciona assim, o senhor tem que fazer perguntas", ordenou Pignatone. Ruggio entregou depois aos jornalistas presentes a cópia do documento.

Vinte e duas páginas, uma série de nomes e circunstâncias. Destaca-se o nome de dois russos (Goloschchapov Konstantin Veniaminovic e Lukjanov Vladimir Nikolayevich), supostamente delegados diplomáticos de Vladimir Putin apresentados por um empresário romano, Piergiorgio Bassi, por sua vez um amigo do general Giovanni Caravelli, que pediam um encontro com Becciu para receber como doação as relíquias de São Nicolau de Bari. "A conversa é confidencial e eu não quero mencioná-la", disse Becciu. Os próprios russos - diz o documento - alegadamente teriam reivindicado um fundo chamado 'Imperial', depositado 'há muitos anos' no Ior - Instituto para as Obras de Religião (um fundo inexistente). Bassi mostrou interesse e também pretendia de Becciu um encontro com o autoproclamado presidente da Catalunha, Puigdumon, durante a crise do referendo, mas somente via Skype e somente em conexão do seu apartamento particular.

Contatos, nomes, transferências

O memorial também menciona as relações com Gaula, chefe dos serviços secretos colombianos, com os serviços de inteligência no Sahel, as transferências recebidas pela empresa britânica Inkerman para a libertação da irmã Gloria, com valores "consideravelmente maiores" do que o devido. Como a transferência feita em 2018 de 350 mil libras esterlinas (eram previstas 170 mil). O documento também menciona boicotes, contatos de alto nível, secretos, via relações sociais, diplomáticas. São mencionados Aise, Siu, Nações Unidas, nomes de bispos, núncios, cardeais.

O pernoitamento

Marogna foi a protagonista da parte inicial do interrogatório do Promotor de Justiça, que retornou à noite de 16 de setembro de 2020, em que a mulher passou a noite no apartamento de Becciu no Vaticano. Foi mostrada na parede do tribunal uma foto tirada com as câmeras mostrando a gerente com uma grande mala de viagem. "Eu sabia que ela tinha que ir para Milão", explicou o cardeal em resposta às perguntas sobre a mala. "Tivemos uma conversa, ela tinha que me atualizar sobre a situação da libertação da freira." Diddi continuou a pedir detalhes, provocando reações acaloradas dos advogados de defesa, tanto que Pignatone exclamou: "Estes tons não são permitidos".

Nova disposição

Precisamente para acalmar as tensões geradas pela contínua oposição dos advogados, o presidente suspendeu a audiência para formular uma ordem sobre a possibilidade de fazer determinadas perguntas. Vinte minutos depois o documento foi lido na sala do Tribunal no qual se afirma que o Promotor pode fazer as perguntas que considerar apropriadas, que elas são pertinentes e que o réu pode eventualmente valer-se da faculdade de não responder.

Financiamentos Cei

E Becciu utilizou-se da faculdade de não-resposta para toda a bateria de perguntas sobre o financiamento da Conferência Episcopal Italiana CEI), em particular as cartas e mensagens dele, de seu irmão Antonino e de monsenhor Mauro Carlino, seu ex-secretário pessoal, que se informava em nome de Becciu através de interlocutores da Conferência Episcopal Italiana sobre a situação dos pagamentos. Apenas uma vez o cardeal respondeu, para admitir que havia "muitas, muitas" situações com as quais ele lidou, e não apenas Ozieri: "É a Cúria Romana... quando chegam sinalizações, que decide transmiti-las aos interessados". Quanto ao resto, o cardeal sempre respondeu: "Não quero e não posso responder. Questão encerrada".

Partes civis

As perguntas sobre Spes, projetos da Caritas Sardegna, contribuições da CEI e assim por diante, no entanto, continuaram até depois do intervalo do almoço, da parte do Promotor, mas também da parte da advogada Elisa Scaroina, representante civil da Secretaria de Estado. A advogada, em particular, se deteve sobre uma ordem emitida por Becciu em 2013 para transferir todos os fundos do Óbolo de São Pedro para uma conta em nome dos Assuntos Gerais da Secretaria de Estado "sem especificação". O cardeal disse que não se lembrava: "Ou me dão o dossiê que acompanha o file ou é difícil para mim".

O papel de Crasso

2013 é o ano em que, observou o representante da Apsa (Administração do Patrimônio da Sé Apostólica), professor Giovanni Maria Flick, "há uma mudança de estratégia na Secretaria de Estado" e um foco em investimentos no setor imobiliário. Apresentam-se, então, novas pessoas. Becciu pediu um aprofundamento sobre essas pessoas? "É claro. Quando houve alguma dúvida sobre Mincione, imediatamente foi realizada uma investigação. O ponto de referência foi o Dr. Crasso, que já estava ali há 20 anos e assegurava." Ainda falando de Crasso, Becciu explicou - em resposta às perguntas do representante do Ior, Roberto Lipari - que toda proposta de investimento passava por ele. "Temos um déficit muito alto da Santa Sé, há anos que estamos com esse déficit. Nós, como Secretaria de Estado, buscávamos compensar com nossos recursos", acrescentou, revelando também que a cada ano o Ior tinha uma contribuição de 50 milhões (reduzida ao longo do tempo para 30) destinada a despesas para as Nunciaturas Apostólicas e a Rádio Vaticano.

Investimentos dos bancos

Lipari, mas também o advogado do corretor Raffaele Mincione, Gian Domenico Caiazza, salientou que os investimentos da Santa Sé foram feitos através da gestão de ativos dos bancos. Este foi o caso do negócio de Londres e Credit Suisse, para o qual foram estipulados sete contratos. A Secretaria de Estado, substancialmente, dava dinheiro aos bancos que, após cobrarem suas taxas, investiam. "O senhor estava ciente disso?" perguntaram os advogados. Becciu mais uma vez respondeu que estes "detalhes técnicos" foram tratados por Perlasca e pelos colaboradores da Seção Administrativa. In primis Fabrizio Tirabassi, a ser interrogado esta sexta-feira, 20 de maio.

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20 maio 2022, 12:25