Ratzinger e o Concílio Vaticano II
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Joseph Ratzinger, como teólogo, contribuiu para dar forma e acompanhar o Concílio Vaticano II. Trabalhou na sua preparação, foi membro de diversas comissões e ao final redigiu os comentários às Constituições Lumen gentium, Sacrosanctum concilium, Dei Verbum e Gaudium et spes.
Mas voltemos um pouco ao contexto em que Ratzinger recebeu o anúncio do Concílio. E é ele mesmo que o descreve com as seguintes palavras: «João XXIII havia anunciado o Concílio Vaticano II, reavivando – em muitos até a euforia – aquele sentimento de renascimento e esperança que, apesar da ameaça que a etapa nacional-socialista havia suposto, ainda estava vivo desde o final do Primeira Guerra Mundial».[1]
A teologia e a vida da Igreja na Alemanha, de fato, havia dado passos importantes no período entre guerras. Ratzinger assim resume essas contribuições. "Por um lado, o século em que vivemos foi chamado o século da Igreja; poderíamos também chamá-lo de século litúrgico e sacramental, visto que a redescoberta da Igreja, ocorrida durante as duas guerras mundias, reside na redescoberta da riqueza espiritual da liturgia primitiva cristã e o princípio sacramental». [2]
Ele também conclui, que "o movimento litúrgico, o movimento bíblico e ecumênico e, por fim, uma forte religiosidade mariana, configuraram um novo clima espiritual no qual floresceu também uma nova teologia que, no Concílio Vaticano II, deu frutos para toda Igreja».[3]
No contexto do recente falecimento do Papa Bento XVI, grande teólogo, padre Gerson Schmidt* nos propõe hoje a reflexão "Ratzinger e o Concílio Vaticano II":
"O cardeal Joseph Ratzinger, como teólogo, participou em medida relevante na gênese dos textos mais variados do Concilio Vaticano II, primeiro ao lado do arcebispo de Colônia, cardeal Joseph Frings, e mais tarde como membro autônomo de diversas comissões.
O cardeal e arcebispo emérito D. Gerhard Ludwig Müller, como prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, fala assim da influência de Ratzinger no Concílio:
“Na fase da recepção, ele – Ratzinger - não se cansa de recordar que o Concílio deve ser avaliado e compreendido à luz da sua intenção autêntica. O Concílio é parte integrante da história da Igreja e, portanto, só o podemos compreender corretamente se considerarmos este contexto de dois mil anos. Graças aos seus trabalhos sobre o conceito de Igreja em Santo Agostinho e sobre o conceito de Revelação em são Boaventura, com os quais tinha obtido os graus académicos, Joseph Ratzinger era particularmente idôneo e preparado para enfrentar as questões centrais apresentadas à Igreja no século XX. Entre elas, depois das experiências da guerra e de uma sociedade em profunda transformação nos anos sessenta, estava a crescente perda de significado e de presença da Igreja no mundo. O Papa Bento XVI descreveu do seguinte modo a tarefa do concílio: «A percepção desta perda do tempo presente por parte do cristianismo e da tarefa que disto derivava estava bem resumida pela palavra “aggiornamento”, atualização. O cristianismo deve estar no presente para poder dar forma ao futuro».”[4]
No discurso à Cúria Romana a 22 de Dezembro de 2005, que suscitou grande interesse, Bento XVI pôs em evidência «a hermenêutica da reforma na continuidade» face a uma «hermenêutica da descontinuidade e da ruptura». Joseph Ratzinger coloca-se assim no sulco das suas afirmações de 1966. Esta interpretação é a única possível segundo os princípios da teologia católica, ou seja, considerando o conjunto indissolúvel entre Sagrada Escritura, a Tradição completa e integral e o Magistério, cuja expressão mais alta é o concílio presidido pelo sucessor de são Pedro como cabeça da Igreja visível. Fora desta única interpretação ortodoxa infelizmente existe uma interpretação herética, ou seja, a hermenêutica da ruptura, quer na vertente progressista, quer na tradicionalista. Estas duas vertentes têm em comum a rejeição do concílio; os progressistas pretendendo deixá-lo para trás, como se fosse só uma estação que se deve abandonar para alcançar outra Igreja; os tradicionalistas não querendo alcançá-lo, como se fosse o Inverno da Catholica. [5]
A questão das polarizações e totalitarismos são percebidos também dentro da própria Igreja. Há quem diga que o Concílio Vaticano II já está ultrapassado; outros, como conservadores radicais, nem aceitam o Concílio como a proposta de renovação da Igreja para dentro e para fora. Consultado que foi para um novo Concílio nas Américas, o Papa Francisco respondeu que as conclusões do Concílio Vaticano II nem foram aplicadas ainda na Igreja.
Na homilia dos 60 aos do Concílio dizia em tom claro sobre os radicalismos: “Quantas vezes se preferiu ser «adeptos do próprio grupo» em vez de servos de todos, ser progressistas e conservadores em vez de irmãos e irmãs, «de direita» ou «de esquerda» mais do que ser de Jesus; arvorar-se em «guardiões da verdade» ou em «solistas da novidade», em vez de se reconhecer como filhos humildes e agradecidos da santa Mãe Igreja. Todos, todos somos filhos de Deus, todos irmãos na Igreja, todos Igreja, todos”.
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Mi vida, Encuentro, Madrid 1997, pp. 97.
[2] Ser cristiano (1965), Sígueme, Salamanca 1967, p. 57
[3] Natura e compito della teologia. Il teologo nella disputa contemporanea: storia e dogma, Jaca Book, Milano 1993, p. 90.
[4] Arcebispo D. Gerhard Ludwig Müller,Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé - Reflexões sobre os escritos conciliares de Joseph Ratzinger - https://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/muller/rc_con_cfaith_doc_20121128_riflessioni-muller_po.html
[5] Idem.
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