Processo vaticano, Peña Parra: o caso de Londres foi uma Via-Sacra
Salvatore Cernuzio – Vatican News
"Que o Senhor nos acompanhe nesta Via-Sacra". A mensagem enviada a seu então secretário resume o estado de espírito com que dom Edgar Peña Parra teve que enfrentar, pouco depois de chegar a Roma como substituto da Secretaria de Estado em outubro de 2018, as negociações para o Prédio de Londres, agora no centro do processo pela gestão dos fundos da Santa Sé.
O arcebispo venezuelano foi o protagonista da quinquagésima primeira audiência na sala do Tribunal dos Museus Vaticanos, escutado durante quatro horas e meia como testemunha pelos advogados de defesa a cuja rajada de perguntas o prelado não se esquivou em nenhum momento, mas, pelo contrário, respondeu com grande detalhe, reivindicando o "trabalho" realizado no período mais febril: o final de 2018 e o início de 2019. Ou seja, o período em que toda a negociação do prédio da Sloane Avenue começou a ficar fora de controle para tomar forma no que o substituto, no memorial de 2 de junho de 2020 depositado nos autos, chama de "uma fraude" em detrimento da Santa Sé.
Escândalos e perdas
Duas questões principais foram abordadas durante a audiência. Primeiro, o empréstimo de 150 milhões solicitado pelo próprio Peña Parra ao Ior para renegociar o oneroso mútuo de Cheyne Capital que recaía sobre o edifício de Londres e que fazia "a Santa Sé perder um milhão por mês". A outra, as mil ações com direito a voto através das quais o corretor Gianluigi Torzi (réu), proprietário do fundo Gutt que administrava o imóvel londrino, mantinha de fato sua propriedade total, de tal forma a ameaçar às vezes - segundo o depoente - vender o prédio a terceiros ou usar os recursos para financiar empresas que ele possuía (em um caso, por exemplo, ele teria gastado £900 mil esterlinas).
Peña Parra, que se viu lidando com uma situação espinhosa que havia começado antes de sua chegada, o que ele repetiu várias vezes no tribunal foi que tentou evitar não só o escândalo, mas também a perda de grandes somas por parte da Santa Sé. Não só o mútuo ("este pagamento me fazia muito mal"), mas também os 4,5 milhões de libras que a Santa Sé tinha que pagar a Torzi pela administração de um edifício que rendia 3 milhões de libras.
Perplexidades
Voltando à sua chegada à Secretaria de Estado, o prelado explicou que nunca houve uma passagem na qual ele tenha sido colocado a par da situação e que ele tomou consciência dos problemas gradualmente. Até monsenhor Alberto Perlasca, que na época era o responsável pelo Escritório Administrativo, só mais tarde o informou sobre a "situação difícil" em Londres. E sempre Perlasca, disse o depoente, assinou o Acordo Marco e o Contrato de Compra de Ações com a empresa de Torzi sem ter poder de assinatura e sem qualquer autorização de seus superiores. Peña Parra mostrou logo preocupação e, em novembro de 2018, começou imediatamente a estudar os documentos, levantando "perplexidades": "Não sou especialista em assuntos financeiros, mas tentei usar o bom senso e os critérios de um bom pai de família".
Assegurações
O substituto elaborou então uma série de perguntas enviadas em 26 de novembro ao advogado Nicola Squillace (réu), sócio de um grande escritório de advocacia milanês: "Foi-me colocado como se fosse nosso advogado". Em particular, Peña Parra perguntou o que significavam as mil ações do prédio, quem era Torzi, quem era Raffaele Mincione (o outro financista, também réu, proprietário do fundo Goff que antes tinha consigo o prédio da Sloane Avenue), qual era a relação entre os dois, e assim por diante. Squillace respondeu de forma circunstancial e pontual a cada pergunta, "assegurando diante de todas as dúvidas" de que tudo estava se movendo em favor da Santa Sé. Mesmo quando recorreram ao Gabinete do Revisor geral para submeter o assunto a ele e o revisor Alessandro Cassinis Righini apontou questões críticas, "nós em todo caso seguimos adiante", porque fomos tranquilizados pelo advogado. "Digo nós porque o cardeal Pietro Parolin tinha visto a nota e disse: se é como lhe foi representado, prosseguiremos".
Absoluto engano
Um mês depois, todavia, Peña Parra foi convocado pelo Papa à Casa Santa Marta, onde encontrou o advogado Manuele Intendente e Giuseppe Milanese, ambos conhecedores do caso de Londres: "Eles me explicaram que o que havia sido feito antes não tinha ajudado: tínhamos adquirido caixas vazias. "No Natal, descobrimos que tudo era um absoluto engano", afirmou o substituto. A indicação era "recomeçar novamente e perder o mínimo de dinheiro possível". Em janeiro "tivemos que reagir, não havia mais nada a fazer além de estudar as possibilidades" para encontrar uma saída. Uma delas era entrar com uma ação judicial contra Torzi, como sugeriu Perlasca, sem nunca esclarecer se civil ou penal. Ao invés, se optou por "negociar", também porque qualquer causa civil teria levado muito tempo e nenhuma certeza do resultado. Negociar significava liquidar o corretor a fim de tirá-lo da administração do imóvel de modo a readquiri-lo 100%.
Forçados a pagar
Peña Parra convocou então uma reunião da diretoria da Gutt: "Eu estava desesperado... Depois fiquei sabendo que tinha havido reuniões, nunca fui informado". Em 23 de dezembro ocorreu o encontro "e a primeira coisa que Torzi fez diante de mim, em meu escritório, foi expulsar Fabrizio Tirabassi", o ex-funcionário (réu) do Escritório Administrativo, da diretoria da Gutt'. Deixado "sem interlocutores", o arcebispo decidiu então envolver primeiro o consultor Luca Dal Fabbro e depois seu secretário particular, monsenhor Mauro Carlino, ambos envolvidos nas negociações de Londres, para conversar com Torzi e "entender o quanto ele queria para sair". "Carlino cumpriu seu dever com competência e lealdade", garantiu o substituto. Nas negociações "estávamos pensando no início de um milhão e meio, no máximo três". No final de março, Torzi pediu 25 milhões, depois passou para 20. Depois disso, chegou a 15".
Quinze milhões de euros, sem qualquer indenização, foi o valor efetivamente pago a Torzi em duas parcelas: 10 milhões ("Foram os famosos 3% que constavam no documento para a negociação do prédio") e 5 milhões ("Foram os seis meses de trabalho e depois de falta de ganho"). "Fomos forçados. Foi uma dor profunda para mim, constatar que ainda tínhamos que dar dinheiro para isto. Torzi tinha o poder e nós não podíamos fazer de outra forma", disse Peña Parra. Realmente, reiterou, "foi uma Via-Sacra, na verdade uma Via-Sacra dupla". Se o Senhor caiu três vezes, nós caímos seis".
O pedido de empréstimo ao Ior
Sobre a questão Ior, o substituto explicou que ele havia envolvido o Instituto para obter refinanciamento em condições favoráveis. "O mútuo nos custava um milhão por mês", disse ele em tribunal, "era um crime usar o dinheiro da Santa Sé desta maneira. Não era necessário Einstein para entender a importância de pagar aquele mútuo.... Foi pensado com os superiores da Secretaria de Estado fazer algo interno para evitar também o pagamento de juros externos". Em fevereiro houve "negociações verbais" com a administração do Ior, depois, em 4 de março, o pedido oficial. A cúpula da administração do Instituto para as Obras de Religião tinha garantido o financiamento: "O dinheiro está disponível". Em seguida, durante uma reunião realizada em 25 de julho, o Ior voltou atrás. Fez isso 23 dias após o mesmo Instituto, junto com o Revisor Geral, ter apresentado a reclamação que desencadeou a investigação. O presidente Jean-Baptiste De Franssu, em seu interrogatório de 16 de fevereiro, disse que o Instituto decidiu não proceder com base nas informações coletadas pelo Gabinete de Conformidade que apontavam para riscos de lavagem de dinheiro e, sobretudo, devido ao fato de a Secretaria de Estado nunca ter apresentado a documentação necessária: "Fomos obrigados a denunciar". Peña Parra deixou claro, entretanto, que mantinha boas relações com o Ior e sua cúpula administrativa: "Quando me disseram que não, não houve nenhuma crise. Não tive nenhum problema com o Ior e as pessoas do Ior", mas "eles poderiam ter dito logo que não podiam", então "não teríamos jogado tanto dinheiro fora".
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