Campanha da Fraternidade do Brasil: casa comum ao redor da mesa
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Os alimentos não são apenas substâncias que contêm princípios nutricionais essenciais à vida e não podem ser as únicas chaves de leitura para interpretar o alimento. Existe uma íntima ligação com a natureza e também entre a alimentação e a esfera do sagrado.
Comer também torna-se uma oportunidade de estarmos juntos, de nos encontrarmos e de partilharmos; o banquete é um ponto de encontro para todos e no contexto religioso, é uma oportunidade de união com a divindade, como na mesa sagrada.
Os Evangelhos trazem vários relatos de Jesus à mesa, que não desdenha nem mesmo o convite dos fariseus, mesmo estando plenamente consciente do risco que corre, pois a sua catequese e o seu anúncio de salvação dirigem-se a todos sem distinção. Ele é o semeador divino que espalha abundantemente a boa semente da palavra. A fecundidade dependerá do terreno onde cai.
O cartaz da Campanha da Fraternidade deste ano traz em destaque uma mesa. Sua simbologia é aprofundada pelo Pe. Gerson Schmidt*, na reflexão intitulada "Campanha da Fraternidade do Brasil: casa comum ao redor da mesa":
"A Campanha da Fraternidade nasceu como um fruto das propostas de participação do Concílio Vaticano II. A iniciativa de uma grande campanha nacional de Fraternidade no Brasil surgia durante o concílio quando os ideais de comunhão eram semeados no próprio Concílio, tendo nossos representantes brasileiros presentes em Roma e que trouxeram a renovação pedida pelos padres conciliares. O cartaz da Campanha da Fraternidade, desde ano, foi criado pelos jovens de Brasília (DF) Samuel Sales e Wanderley Santana e apresenta o cenário da comunidade como uma casa, espaço onde se acolhe os irmãos e irmãs para a partilha do alimento e da vida.
O número 06 da Lumen Gentium utiliza a imagem da Igreja como construção de Deus, uma casa, um templo. Diz assim a Constituição Dogmática: “A Igreja é também muitas vezes chamada construção de Deus (1 Cor. 3,9). O próprio Senhor se comparou à pedra que os construtores rejeitaram e se tornou pedra angular (Mt 21,42 par.; At 4,11; 1 Ped. 2,7; Sl 117,22). Sobre esse fundamento é a Igreja construída pelos Apóstolos (cfr. 1 Cor. 3,11), e d'Ele recebe firmeza e coesão. Esta construção recebe vários nomes: casa de Deus (1 Tim 3,15), na qual habita a Sua «família»; habitação de Deus no Espírito (cf. Ef 2, 19-22); tabernáculo de Deus com os homens (Apoc 21,3); e sobretudo «templo» santo, o qual, representado pelos santuários de pedra e louvado pelos Santos Padres, é com razão comparado, na Liturgia, à cidade santa, a nova Jerusalém (5). Nela, com efeito, somos edificados cá na terra como pedras vivas (cfr. 1 Ped. 2,5). Esta cidade, S. João contemplou-a «descendo do céu, de Deus, na renovação do mundo, como esposa adornada para ir ao encontro do esposo» (Apoc 21,1 ss.)”. As imagens aqui se misturam, mas destacamos essa imagem da casa, da construção, onde Cristo é a pedra angular, antes rejeitada, onde cada um de nós se torna uma pedra viva na edificação do grande templo, do grande santuário, da casa dos filhos de Deus, construída não por mãos humanas, mas pelo arquiteto sublime, em sua Páscoa. Na construção do Reino de Deus cada pedra tem sua importância, cada um que colabora nesta obra é também um pedaço dela.
O apóstolo Paulo disse à comunidade dos Gentios da cidade portuária grega de Corinto assim: “Porque nós somos cooperadores de Deus; vós sois lavoura de Deus e edifício de Deus. Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento, e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele. Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Jesus Cristo” (1 Cor 3,9-11). Depois, em seguida, São Paulo renova essa imagem da construção: "Não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos?" (1 Cor 6,19). Na segunda carta aos Coríntios, Paulo reafirma: "Vós sois o templo do Deus Vivo" (2 Cor 6,16).
No cartaz da CF/2024, o símbolo maior da comunidade é desenhado dentro de uma casa e a celebração da fé ao redor de uma mesa, com pão, vinho e fraternidade. Os alimentos na mesa, no cartaz, típicos da alimentação em nossas mesas, recordam também as refeições de Jesus. Os cinco pães e dois peixinhos desenhados recordam a multiplicação dos pães que Jesus realizou, quando lança um desafio aos apóstolos: “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), que foi o lema da Campanha da Fraternidade do ano passado - 2023. Alguns textos bíblicos apontam que esses cinco pães e dois peixinhos vieram de um menino ali presente, apontando a humildade e a acolhida de Jesus dos pequeninos que tem coração generoso. O Salmo 08 reza assim: “o perfeito louvor vos é dado pelos lábios dos mais pequeninos, de crianças que a mãe amamenta”. Embora tenha feito um milagre estupendo de alimentar mais de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças, é pela humilde de uma criança que se inicia esse gesto de partilha e milagre grandioso de Jesus.
Essa casa representada que é a comunidade, a Igreja não se volta para si mesma, num gueto ou numa panelinha, como falamos em linguagem coloquial – querendo traduzir uma comunidade resguardada em torno de si própria. As janelas da casa retratadas na imagem apontam uma abertura da Igreja aos desafios do mundo e da realidade, como aponta a Constituição conciliar Gaudium et Spes – Igreja voltada à missão para o mundo e não para si mesma. Aqui também poderíamos resgatar o decreto conciliar “Ad Gentes” que retrata sobre a atividade missionária da Igreja no mundo. Recordemos também aqui as grandes Encíclicas papais missionárias: Evangelii Nunciandi de Paulo VI; Redemptoris Missio de João Paulo II e Evangelii Gaudium do Papa Francisco. A identidade da Igreja não está na manutenção e conservação das suas estruturas, mas na sua missão de evangelizar, como nos aponta o imperativo do Documento de Aparecida, de uma conversão pastoral decididamente missionária.
Note-se na imagem do cartaz da Campanha da Fraternidade 2024 que as Janelas não são janelas comuns. O formato das janelas, em estilo de arco romano, lembra vitrais de uma Igreja, a comunidade eclesial reunida onde nossa fé deve se engajar, nossa vida cristã deve ser fomentada e sedimentada, para partir em missão na evangelização, que é a identidade própria da Igreja. Não podemos ficar alienados e confinados em nossas casas ou sermos cristãos de sacristia. “Igreja em saída” é o imperativo do Papa. A presença de um cão defronte à mesa alude também à toda a criação e à Encíclica papal Laudato si', onde o Papa fala do cuidado da nossa casa comum, da ecologia e de toda a natureza, juntamente com todos os seus animais. Lembra aquele Evangelho em que se fala das migalhas que caem das mesas que os cachorrinhos comem, no compromisso de Cristo e consequentemente de cada um de nós, de levar o Evangelho também aos pagãos, quando acontece a cura de Jesus da mulher Ciro-fenícia, mulher pagã, que não era hebreia e de uma fé não-judaica. Todos somos irmãos e Cristo congrega a todos."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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