O verdadeiro encontro com o Senhor na oração
Jackson Erpen - Cidade do Vaticano
Estamos às portas do Jubileu do Ano 2025. O Papa Francisco convidou-nos a prepará-lo com a oração. E em primeiro lugar, “devemos rezar para receber o Espírito Santo (...). É o único “poder” que temos sobre o Espírito de Deus. O poder da oração: não resiste à oração. Rezamos e vem”.
Na sequência de suas reflexões sobre a oração e o Jubileu, Pe. Gerson Schmidt* nos propõe hoje “O verdadeiro encontro com o Senhor na oração”:
"Para favorecer esse Ano da Oração, em vista do Jubileu 2025, foram preparados pelo Dicastério da Evangelização alguns textos breves que, na simplicidade de sua linguagem, ajudam a entrar nas variadas dimensões da oração. O Papa Francisco conclama que “todos os santuários do mundo, lugares privilegiados para a oração, as iniciativas sejam intensificadas a fim de que cada peregrino possa encontrar um oásis de serenidade e partir com o coração cheio de consolação”[1].
A Constituição Conciliar Sacrosantum Concilium, o documento do concílio que fala sobre a liturgia, aponta, em título a “Vida espiritual extra-litúrgica”. Diz assim o número 12: “A participação na sagrada Liturgia não esgota, todavia, a vida espiritual. O cristão, chamado a rezar em comum, deve entrar também no seu quarto para rezar a sós (Mt 6,6) ao Pai, segundo ensina o Apóstolo, deve rezar sem cessar (1Tes 5,17). E o mesmo Apóstolo nos ensina a trazer sempre no nosso corpo os sofrimentos da morte de Jesus, para que a sua vida se revele na nossa carne mortal (2Cor 4,10-11). É essa a razão por que no Sacrifício da Missa pedimos ao Senhor que, tendo aceite a oblação da vítima espiritual, faça de nós uma «oferta eterna»[2] a si consagrada”.
O Concílio convida às nossas práticas de oração pessoal para além da Santa Missa, orando a sós com o Pai, em nosso quarto interior e sacrário pessoal. Por isso, a Sacrosantum Concilium recomenda ainda no número 13, “os exercícios piedosos do povo cristão, desde que estejam em conformidade com as leis e as normas da Igreja, e especialmente quando se fazem por mandato da Sé Apostólica”. Incentiva “as práticas religiosas das Igrejas particulares (ou seja, as dioceses) celebradas por mandato dos Bispos e segundo os costumes ou os livros legitimamente aprovados”. E pede que esses exercícios espirituais tenham em conta “os tempos litúrgicos, de modo que se harmonizem com a sagrada Liturgia, de certo modo derivem dela, e a ela, que por sua natureza é muito superior, conduzam o povo” (SC,13). De fato, é da liturgia, cume e ápice de toda a evangelização, respeitada a dinâmica do tempo litúrgico, que emana todas as outras práticas e orações pessoais, tão necessárias para que o culto não seja vazio, um ritual mecânico, rubricista e um exercício litúrgico sem significado e sem sabor.
Sobre o aspecto da oração, que nesse ano preparatório ao Jubileu 2025 estamos destacando, descrevemos um texto precioso nas cartas sobre a “Vida contemplativa”, do Bem-aventurado Guigo Certosino, do Séc. XII, que tem como título “Procurava a tua face, Senhor”. Reza assim o rico texto:
“A leitura sobre a docilidade da vida beata, a meditação a desvenda; a oração, a reclama, a contemplação, a degusta. A leitura é como uma comida sólida que se aproxima da boca, a meditação a mastiga e a amassa, a oração sente o sabor e a contemplação é aquela mesma docilidade que alegra e restaura. A leitura é a casca, a meditação é a polpa, a oração consiste na procura do desejo; a contemplação, no prazer da docilidade conquistada. A alma então, vendo que sozinha não pode alcançar a docilidade tão desejada de experimentar e conhecer a Deus, e vendo o quanto seu coração é impenetrável (Sl 64,7), tanto mais exalta a Deus, se humilha, se refugia na oração dizendo: Senhor, que te manifestas somente aos puros de coração, busco, lendo e meditando, qual é a verdadeira pureza de coração, e como poderei obtê-la, a fim de que, possuindo-a, ainda que em pequena parte, eu possa conhecer-te.
Procurava a tua face, Senhor; a tua face, Senhor, eu procuro (Sl 27,8); longamente meditei no meu coração, e da minha meditação cresceu um fogo, e o desejo de conhecer a ti aumentou. Enquanto partias para mim o pão da Sagrada Escritura, no ato de partir o pão eu te reconheço, e quanto mais te conheço tanto mais desejo te conhecer, não mais no invólucro da letra, mas na profundidade da experiência. Não peço tudo isso, Senhor, pelos meus méritos, mas pela tua misericórdia. Confesso, de fato, ser uma indigna pecadora, mas também os cachorrinhos comem das migalhas que caem sob a mesa de seus donos (Mt 15,27). Dá-me, Senhor, o penhor da herança futura, ao menos uma gota da chuva celeste que sirva de refrigério para a minha sede, porque ardo de amor. Com estas e outras invocações similares inflama o seu desejo, assim mostra o seu afeto, com tais palavras encantadoras chama o seu esposo. E o Senhor, que olha os justos, e não somente escuta as suas invocações, mas está atento a eles, não espera o fim da súplica: interrompendo a oração na metade, logo se precipita na alma que o deseja, todo envolto pelo sereno da celeste docilidade e por perfume precioso. Recria a alma afadigada, esfomeada a restaura, árida a inebria, e a faz esquecer-se das coisas terrestres; a vivifica fazendo-a maravilhosamente morrer no esquecimento de si mesma; e, inebriando-a, a faz sábia”. Sabias palavras sobre a alma que clama, pela oração, para o encontro verdadeiro com o Deus vivo."
*Padre Gerson Schmidt foi ordenado em 2 de janeiro de 1993, em Estrela (RS). Além da Filosofia e Teologia, também é graduado em Jornalismo e é Mestre em Comunicação pela FAMECOS/PUCRS.
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[1] Penúltimo parágrafo da introdução do Papa Francisco aos Cadernos sobre a Oração – Jubileu 2025.
[2] Missal Romano, 2ª feira da Oitava de Pentecostes, oração sobre as oblatas.
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